Ferimentos sangrentos nas palmas das mãos, nos pulsos e nos pés, como se neles tivessem sido pregados pregos. Manchas sangrentas nas costas, como se fossem marcas de espancamento, arranhões na testa, como se o seu detentor tivesse usado uma coroa de espinhos. Hadises muçulmanos, gravados na pele de um bebê ou cruzes surgidas no corpo de mulher adulta. De onde surgem esses sinais misteriosos? Ou são falsificações geniais?
A história do estigmatismo tem muitos séculos. E todo este tempo provoca inúmeras discussões, tanto na própria igreja, como entre pessoas comuns. O que são os estigmas? Pode-se considerar sinais divinos ou, na realidade, são deformações que os crentes fazem em si próprios? Tentemos entender.
Os estigmas são ferimentos abertos no corpo das pessoas, semelhantes aos ferimentos de Cristo. Via de regra eles surgem em forma de marcas sangrentas nas palmas das mãos ou pulso e pés, bem como nos locais onde foram cravados pregos, que seguravam o corpo de Jesus na cruz. Mas também se pode considerar estigmas outros sinais de caráter religioso que surgem nas pessoas.
Por exemplo, em 2009, na pele de um bebê de 9 meses, Ali Yakubov, surgiram hadises (tradições sobre as palavras e ações do profeta Maomê, altamente veneradas pelos muçulmanos, ao lado do Alcorão). Eles causaram um verdadeiro alvoroço e transformaram o bebê em verdadeiro símbolo da fé e esperanças entre muitos muçulmanos. A história do incrível bebê do povoado daquestanês de Krasnooktyabrsk imediatamente se espalhou por toda a Rússia. A mãe de Ali Yakubov, Madina, contou que os hadises apareciam na pele do filho como inscrições vermelhas vivas à noite. Ao mesmo tempo subia a temperatura do bebê e ele chorava. As inscrições ficavam na pele um par de dias e depois desapareciam.
À casa dos Yakubov não paravam de chegar pessoas, em busca da bênção do bebê-prodígio. Com as doações coletadas, a família construiu uma nova casa. Entretanto, depois de artigos denunciadores, que qualificavam os Yakubov de vigaristas que apenas queriam melhorar sua situação material à custa do próprio filho e exortavam a mostrar Ali a especialistas, a família cessou qualquer comunicação com a imprensa e o mundo exterior e passou a viver isolada. Os médicos consideram que os “estigmas” foram obtidos não misticamente mas sim através da ação química ou mecânica sobre a pele da criança. Ludmila Luss, especialista do Instituto de Tecnologia da Agência Médico-Biológica Federal da Rússia, concorda com a opinião dos colegas:
“Do ponto de vista médico isto não pode ocorrer. Isto não tem quaisquer fundamentos científicos. O mais provável é que as vermelhidões surjam em consequência de substâncias irritantes, que aumentam a permeabilidade e dilatam os vasos, tais como, por exemplo, pimenta, sal, ou remédios.”
É interessante o fato de os estigmas surgirem no fundamental em pessoas profundamente crentes. Porém é mais curioso ainda o fato de que eles nunca surgem em pessoas de “outra religião”. O que se tem em vista? Em toda a história do estudo dos estigmas, os “ferimentos sangrentos de Cristo” nunca apareceram no corpo de muçulmanos ou budistas. Ou, por exemplo, de representantes de tribos africanas ou das ilhas da Oceânia, que crêem em seus deuses. O mesmo se pode dizer também sobre os “estigmas muçulmanos”, que mostram mensagens do Alcorão, no corpo de cristãos ou hindus. Tais casos também, não foram registrados.
Será que para que os ferimentos religiosos e símbolos apareçam na pele é necessário crer que isto é possível, em parte desejar isto e estar pronto para aceitar justamente este Deus concreto? Ou aqui não há qualquer providência divina e os “eleitos” são os que se tornam assim?
Uma série de cientistas modernos supõe que os estigmas são um exemplo clássico de doença psicossomática, que ocorre com pessoas religiosas, tendentes a forte empatia com os tormentos de Jesus Cristo, morto na cruz. Mas poderá ser explicado seu surgimento somente do ponto de vista científico ou em nossa vida ocorrem milagres?
Na maioria dos casos os estigmatizados, que recorreram à ajuda dos médicos, informaram que descobriram seus ferimentos ao acordar de sono longo, ou de ataque acompanhado de visões de enredos bíblicos da crucificação. Na opinião de Sigmund Freud, o surgimento de estigmas está relacionado com o fenômeno da repressão da energia sexual em pessoa, que não tenha a possibilidade de satisfazer, em medida suficiente, suas necessidades fisiológicas e realizar-se na esfera sexual, como ocorre com frequência com representantes do clero e pessoas altamente religiosas.
O psicanalista húngaro Sandor Ferenczi, que também estudou o problema do surgimento de estigmas no corpo, assinala que seu surgimento sempre está relacionado com a perda da sensibilidade dos tecidos, onde se abrem as feridas. Isso também está relacionado com o fenômeno da repressão da consciência e também com a autossugestão, autoidentificação subconsciente com Cristo e o desejo de se punir, partilhando de seus sofrimentos.
Supõe-se que o primeiro estigmatizado foi o apóstolo Paulo. Os historiadores com frequência citam sua frase da Epístola aos Gálatas “ego enim stigmata Domini Iesu in corpore meo porto”, isto é, “pois eu trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gal.6.17). Mas, como os acontecimentos descritos ocorreram há uns mil anos, ninguém pode dizer com certeza se estas palavras tinham um sentido metafórico ou não.
Entre os portadores de estigmas conhecidos está também São Francisco de Assis e a santa monja da ordem dominicana Catarina de Siena e o sacerdote italiano Padre Pio, canonizado pela igreja católica romana em 2002.
A personalidade do Padre Pio merece conversa a parte. Ele pertencia à ordem dos capuchinhos e foi um dos sacerdotes mais queridos do povo italiano. Em 1918 surgiram estigmas em suas mãos e corpo, que não desapareceram até sua morte em 1968. A notícia dos milagres de cura realizados pelo Padre Pio e de que ele era “eleito de Deus” correu rapidamente pelo país e em breve multidões de romeiros foram aos portões do mosteiro de San Giovanni Rotondo para receber sua benção. Uns diziam que ele podia curar doentes incuráveis, outros que via o futuro, terceiros afirmavam que o sangue que saia das chagas tinha aroma agradável de flores e não de metal, como nas pessoas comuns.
O Vaticano não reconheceu imediatamente a origem mística dos estigmas de Padre Pio. Muitos cientistas consideravam-no vigarista e o historiador italiano, professor Sérgio Luzzato até mesmo escreveu o livro “Padre Pio. Milagres e Política na Itália no Novencentos”, desmascarando o famoso sacerdote. Na opinião de Luzzato, o Padre Pio fez ele próprio os estigmas com ajuda de acido carbônico.
O livro teve enorme repercussão. Uns apoiaram os milagres de Padre Pio e a origem sagrada de seus estigmas, outros estavam absolutamente convictos de que Luzzato realizou uma ótima investigação e desmascarou o vigarista. Seja como for, o Vaticano permaneceu com a sua opinião. O padre Pio foi considerado santo.
Aos cientistas resta encarar com ceticismo os milagres que não têm explicação científica. E aos crentes, crer que pessoas com estigmas são eleitas de Deus. Cada um escolhe em que acreditar. Mas cedo ou tarde o segredo da origem dos estigmas será, com certeza, decifrado.
Fonte: Voz da Rússia