É certo que as múmias ainda despertam muito interesse. Elas exercem um fascínio ao longo da história, não apenas para cientistas que tentam desvendar os mistérios, mas pela curiosidade que gera sobre tempos e culturas passadas.
Algumas podem durar mais de 2.000 anos e podem ser encontradas no gelo, no deserto ou até mesmo em pântanos.
Pela primeira vez no Brasil, dezenas de pesquisadores se reúnem nesta semana, no Rio de Janeiro, em um evento para estudar múmias.
O 8º Congresso Mundial de Estudos em Múmias começa nesta terça-feira (6) no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, e pretende reunir diferentes especialidades sobre mumificação e discutir técnicas de preservação, pesquisas menos invasivas, da microbiologia à paleoparasitologia.
"Como este é o primeiro congresso no Brasil, a ideia é cobrir a maior variedade possível de estudos sobre o tema e reunir pesquisadores dos mais diversos cantos do mundo voltados para a temática de múmias, que é bem variada, desde animais mumificados e múmias de todos os tipos", disse ao UOL Claudia Carvalho, diretora do Museu Nacional, ligado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O Brasil, em comparação a outros países, ainda está tentando avançar neste campo de estudos sobre a mumificação. Carvalho admitiu que faltam recursos, equipamentos tecnológicos para as pesquisas, mas acima de tudo, faltam pessoas para estudar.
"A ideia deste congresso é também divulgar, despertar vocações das multipossibilidades de estudos de múmias", salientou a organizadora do evento.
O corpo de pesquisadores que estudam múmias ainda é pequeno no Brasil, admite. De pesquisador sênior, não passam de 20. Mas já existem importantes trabalhos desenvolvidos na Fiocruz há duas décadas.
Cabeças do cangaço
Algo que tem chamado a atenção é um estudo antropológico que desenvolvido pelo Museu Nacional sobre a mumificação das cabeças de Lampião e Maria Bonita.
Elas estiveram expostas durante anos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, mas, na década de 1960, as cabeças de Lampião e Maria Bonita foram reenterradas.
Claudia Carvalho integra o corpo de pesquisadores que se debruça sobre o tema e pretende entender as perspectivas da época para compreender como foi feita a mumificação das cabeças e a polêmica da devolução à família.
"O que me chamou bastante atenção foi a alusão à mumificação egípcia. As cabeças teriam sido mumificadas seguindo a tradição egípcia. Provavelmente não é certo, a tradição egípcia é mais elaborada do que o que contam os relatos, elas foram primeiro salgadas [Lampião e Maria Bonita]", contou.
A cientista diz ter ficado surpresa com a repercussão do estudo e afirma que este tema ainda continua despertando bastante interesse.
"Essa é uma questão bastante curiosa e revela muito a perspectiva que se tinha sobre como trabalhar a ciência e os restos, a exibição de corpos humanos ou não, e devolução dos objetos às suas comunidades de origem."
O grupo de pesquisadores não cogita desenterrar Lampião e Maria Bonita, ainda mais pela polêmica que geraria tantos décadas mais tarde.
Para a ciência, caso fossem desenterradas, as cabeças mumificadas já teriam perdido todo seu material de preservação.
"Ainda não conseguimos levantar, se é que existem detalhes sobre como o material foi reenterrado."
Acervo nacional
O Museu Nacional detém um importante acervo de múmias preservadas por meios naturais e artificiais: são mais de 700 exemplares guardados na reserva técnica, sendo que três delas são consideradas "múmias brasileiras" - uma foi encontrada na caverna da Babilônia, no município de Goianá, em Minas Gerais.
Algumas das múmias egípcias foram adquiridas ainda por Dom Pedro 1º, outras do período romano - que estão ainda sob estudo - foram presenteadas a Dom Pedro 2º em sua viagem ao Egito. O Museu guarda ainda múmias andinas e oito de animais egípcios, como gatos e crocodilos.
"O material biológico normalmente não se preserva a não ser em condições muito especiais. Em geral, os tecidos biológicos se decompõem após a morte, a não ser que existam condições favoráveis a isso como um clima seco e baixa umidade", explicou.
Entre os trabalhos que serão apresentados durante o congresso, há estudos de caso desenvolvidos em Luxor, no Egito, e discussões sobre a prática da plastinação - um método de preservação de tecidos humanos para fins didáticos -, além do uso de escâner e digitalização em 3D nas pesquisas.
O último encontro sobre múmias aconteceu em 2011, na cidade de San Diego, nos Estados Unidos. O congresso também já ocorreu em Santorini (Grécia), Turim (Itália), Ilhas Canárias (Espanha) e Arica (Chile). São esperados pesquisadores de países como Canadá, França Itália, México, Peru, Chile, Argentina, Dinamarca, Reino Unido, Egito e China.
Fonte: UOL