quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Domesticação dos cães aumentou quantidade de mutações genéticas


Transformações prejudiciais do DNA influenciaram formações das raças, diz estudo.

Para se tornar nosso melhor amigo, o cachorro passou por maus bocados. De acordo com pesquisadores americanos, a domesticação de lobos na pré-História, que deu origem aos cães, aparentemente levou a um acréscimo de mudanças prejudiciais no genoma destes últimos.

Num estudo publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, a equipe de cientistas explica de que maneira o homem interferiu na seleção natural dos cães, favorecendo a formação de diferentes raças e isolando umas das outras.

Sem esse contato, cada população se reproduziu perpetuando mutações que aumentam a vulnerabilidade a determinados problemas, como cegueira, doenças cardíacas e coronarianas. Essas alterações também levaram a uma capacidade reprodutiva menos eficaz da espécie hoje.

Os Canis lupus familiaris (nome científico do cachorro) são uma subespécie do Canis lupus (nome científico do lobo). Autor principal do estudo, o cientista Kirk Lohmueller, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, nos EUA, rastreou a trajetória genética de cães e lobos para entender como essa seleção artificial, induzida pelo homem, teria levado à mudança de características dos caninos.

— A domesticação do lobo, que aconteceu há cerca de 15 mil anos na Eurásia, provocou um gargalo populacional entre os cães, uma redução do tamanho da população — explica Lohmuller, professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da universidade americana. — Se a população é diminuída, então aumentam as chances de que mutações prejudiciais se manifestem.

CRIAÇÃO DAS RAÇAS

Nos últimos séculos, os cães passaram ainda por outro gargalo populacional — a formação das raças. Geneticista da Universidade de Washington, Joshua Akey ressalta como estas transformações ocorreram ao sabor das vontades do homem.

— A maneira como foram criadas certas raças levou não apenas a características consideradas desejáveis pelos humanos, como também a mais mutações genéticas prejudiciais. Estas transformações poderiam ter sido evitadas em outras circunstâncias — avalia Akey, que comentou o estudo em entrevista à revista “The Scientist”.

O homem influenciou na evolução dos cães ao procurar traços particulares, como docilidade e cor da pelagem. As mutações em determinadas raças por conta disso foram comparadas através de análises genéticas.

A equipe de Lohmuller averiguou as variações genéticas presentes em 19 lobos cinzentos, 25 cães vira-latas de dez países e 46 cães de diferentes raças. No laboratório, eles procuraram alelos — segmentos do DNA — que fossem prejudiciais. Seria um sinal de que a evolução daquela espécie resultou no favorecimento inadvertido de determinados aminoácidos, o que pode provocar algum tipo de falha no organismo.

Muitas dessas mudanças do DNA, destaca Lohmuller, reduzem a própria capacidade de reprodução da espécie.

Em média, os cães tinham 115 alelos danosos a mais do que os lobos. Isto dá uma ideia de que eles sofreram com a seleção artificial promovida pelo homem. Os lobos, por sua vez, puderam evoluir com menos intervenções.

Nos poodles, por exemplo, as variações genéticas ligadas à cor da pelagem estão associadas a outras que elevam o risco de carcinoma. Se a raça não tivesse passado por tantas intervenções humanas, a incidência de carcinoma não teria sido amplificada, dizem os cientistas.

De acordo com Lohumuller, o acúmulo de mutações prejudiciais nos cães deve ser monitorado. No estudo, ele afirma que “a forte seleção para (obter) características específicas de uma raça (...) pode favorecer o que é uma moda, em vez de levar a algo necessariamente funcional ou saudável”.

— É difícil prever o futuro da espécie. Mas alguns efeitos que encontramos podem piorar ao longo do tempo — alerta o geneticista.

VARIEDADE APRIMORA ESPÉCIE

Pesquisador de Genética e Doenças Infecciosas da Fiocruz, Milton Moraes assinala como a domesticação dos cães e a formação das raças pode influenciar em cada população:

— Quando a população é reduzida, os cães que apresentam as mesmas características são cruzados entre si, e, com isso, aumenta a concentração de determinados alelos — ressalta o cientista. — Isso não é necessariamente ruim. A população pode ficar mais resistente a uma determinada doença. No entanto, pode também ocorrer aumento de alelos prejudiciais, que favoreceriam debilidades, como a cegueira. Estas mutações poderiam ser eliminadas se não houvesse uma pressão artificial, exercida pelo homem.

Moraes defende uma maior miscigenação das populações de cães.

— Quanto mais variações genéticas, maior é a possibilidade de conservação de uma espécie — afirma. — Se a composição do DNA for semelhante em toda a população, ela pode ser dizimada por uma mesma doença.

Muitos outros seres vivos tiveram seus genomas modificados pela domesticação promovida pelo homem. É o caso de culturas agrícolas, como milho e arroz, “aprimoradas” para satisfazer nossas necessidades.

EVOLUÇÃO HUMANA

Lohumuller acredita que seu estudo pode ser adaptado para explicar a evolução do próprio Homo sapiens. Assim como os cães, nós passamos por gargalos ao longo dos milênios, como, por exemplo, o isolamento de cada população que deixou a África em direção a diferentes locais do planeta na pré-História.

— Ainda não há consenso sobre como este movimento resultou em mutações genéticas — comenta ele. — O aumento das transformações no DNA pode ter sido igual àquele observado nos cães, quando estes tiveram sua população diminuída.

Fonte: O Globo
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