sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Crianças nascidas velhas

É impossível dizer se Francis Scott Fitzgerald, ao escrever seu famoso conto "O Curioso Caso de Benjamin Button", conhecia ou não um menino que padecia de progeria. A única coisa que é certa é o autor ter conseguido descrever toda a gama de emoções que são experimentadas por uma criança que aparenta e se sente como um verdadeiro idoso. Hoje vamos tratar de um enorme enigma da natureza: o das crianças que começam a envelhecer de maneira rápida praticamente desde os primeiros anos de vida.

A progeria é uma rara doença genética, caraterizada pela recuperação deficiente do ADN (DNA) e por mutação do gene LMNA, responsável pela codificação das proteínas especiais que formam a cobertura do núcleo celular. Em pacientes com progeria são observadas alterações atróficas da epiderme e do tecido celular subcutâneo, próprias das pessoas com idades avançadas. Além disso, neles é verificado um encurtamento mais rápido dos telómeros, que desempenham um relevante papel protetor protegendo os cromossomos contra diferentes lesões. Por outras palavras, todos os processos regenerativos se tornam centenas de vezes mais lentos, o que leva a um envelhecimento catastroficamente rápido de todo o organismo no seu todo.

A ciência moderna desconhece as causas desta anomalia. Os genetistas só sabem como este processo decorre. Regra geral, os primeiros sinais de progeria se manifestam na idade de dois ou três anos. As crianças deixam de crescer, sua pele se torna fina, enrugada e seca como pergaminho e as veias transparecem nitidamente através dela. Todas as crianças com progeria têm sem exceção a cabeça e testa enormes, de tamanho desproporcional en relação à face minúscula e aos maxilares pouco desenvolvidos.

Uma senhora aposentada, Ana Yakovleva, relatou à Voz da Rússia de sua experiência de ter vivido lado a lado com um portador de progeria:

“Eu era ainda muito pequena. Meu pai era militar, e nós mudávamos de casa frequentemente. Em 1952, nós chegamos a um novo local e nos deram alojamento numa casa de madeira. Nossos vizinhos tinham um filho muito estranho. A rapaziada o alcunhava de Tio Vanya. O Vanya parecia um velhote de oitenta anos, embora na realidade tivesse apenas sete anos e fosse da minha idade. Nós costumamos brincar junto com ele quando sua mãe se ausentava de casa. Eu lembro bem que ela não o deixava ir ter com outras crianças e o escondia por vergonha de ter um filho, como ela dizia, tão mostrengo.

O Vanya era bom. Nós gostávamos dele e não deixávamos que o ofendessem. A mim, ele sempre me fazia lembrar um personagem de contos de fada, uma espécie de pequeno gnomo bondoso, ainda que sua aparência fosse mais bem repulsiva do que mágica. Mas todos os defeitos físicos dele passavam despercebidos graças a seu coração bondoso. O Vanya estava muitas vezes doente e passava meses a fio deitado na cama sem se levantar.

Um dia de inverno, chamamo-lo para andar de trenó. Sabíamos que ele sempre sonhava com ir para o outeiro, mas os pais nunca o permitiam. Até agora o tenho presente como se fosse ontem. Brincámos até escurecer descendo do outeiro em trenó. De repente o Vanya se sentiu mal e perdeu a consciência. A gente foi correndo por auxílio, mas quando os adultos chegaram, era já tarde. O Vanya não respirava. Ele teve, como disseram depois, um ataque cardíaco.

Toda a vida me recriminei por tudo o que aconteceu então, considerava-me culpada pela morte dele, embora eu compreenda agora, quando apareceram alguns conhecimentos sobre esta doença, que de todas formas ele não sobreviveria muito tempo. Contudo, se não o chamássemos na altura para corridas de trenó, ele, talvez, tivesse vivido mais alguns anos.”

De acordo com estatísticas, as crianças com progeria vivem, em média, até doze ou treze anos. No mundo inteiro foram cadastrados cerca de cem casos dessa doença raríssima. A disfunção provoca alterações na aparência a ponto de o paciente ficar irreconhecível. Todos os pacientes têm uma típica face de “pássaro”, assim como padecem de doença cardíaca coronária, aterosclerose e atrofia muscular. Os portadores de progeria exibem ainda sintomas como queda de cabelo, unhas quebradiças e dentes fracos, carateres sexuais secundários não desenvolvidos. No fundo, todas as funções do organismo ficam deprimidas como se as crianças com progeria fossem já idosos decrépitos e impotentes.

Como se pode os ajudar? A ciência vem lidando com este problema desde há muitos anos. O corpo do ser humano é uma máquina biológica sui generis, que se desgasta e, de vez em quando, enguiça. Em algumas pessoas isso acontece mais tarde, em outras mais cedo. Se os pesquisadores se aproximarem, embora um pouco, da solução do enigma de falha genética caraterística da progeria, aproximar-se-ão igualmente da decodificação do processo de envelhecimento em si. E no futuro chegará talvez um dia em que, não só os pacientes com progeria, mas sim todos os seres humanos esquecerão o significado da palavra “velhice”.


Fonte: Voz da Rússia
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