terça-feira, 13 de agosto de 2013

Projeto ferroviário de Londres se transforma em sítio arqueológico

Na quarta-feira, no horário do almoço, enquanto uma multidão de gente passava apressada pela estação de metrô Liverpool Street, Jay Carver examinava uma funda escavação onde apareciam um crânio e os ossos de várias pessoas desconhecidas.

Esses restos mortais são os mais recentes achados de cerca de 400 esqueletos que Carver e sua equipe descobriram nesse local, onde ele espera encontrar ainda vários milhares.

Os ossos fazem parte de uma vala comum, um grande cemitério do século XVII que está sendo descoberto graças à construção de uma nova linha de trem que vai passar através do centro da cidade, disse Carver, o arqueólogo-chefe do projeto.

A chamada rota Crossrail, com inauguração prevista para 2018, vai atravessar o bairro londrino de West End,seguindo para leste até Canary Wharf e mais além.

Com um custo de 14,8 bilhões de libras esterlinas (US$ 22,7 bilhões) e incluindo 50 quilômetros de novos túneis, é o maior projeto de construção da Europa.

É também uma das maiores escavações arqueológicas do Reino Unido. Ao atravessar Londres, está revelando partes da história da capital, de cemitérios medievais a ruínas romanas, e até mesmo evidências de que o homem pré-histórico habitava a área.

Muitas das descobertas irão para o arquivo e o centro de pesquisas do Museu de Arqueologia de Londres — iniciando também uma corrida para encontrar um lugar adequado para trasladar os restos humanos.

"Ele [o trecho ferroviário] está acrescentando mais detalhes e novas histórias" ao que já sabíamos sobre o nosso passado, disse Carver, que tem 46 anos.

A equipe descobriu recentemente o primeiro objeto de ouro do projeto, uma moeda cunhada em Veneza no início do século XVI, que fora perfurada e provavelmente usada como pingente, mas que deve ter se perdido em meio ao lixo despejado no local que hoje é a Liverpool Street.

Os objetos encontrados por essa iniciativa arqueológica, que iniciou seus trabalhos no local há três anos, abrangem um vasto período.

Entre os mais antigos: um pedaço de âmbar de 55 milhões de anos descoberto perto de Canary Wharf, no leste de Londres, e ossos de bisões e outros animais pré-históricos que se acredita terem 60.000 anos, encontrados em Paddington, na zona oeste.

Uma das últimas grandes descobertas comprova a elaboração de ferramentas de um tipo de pedra, desde o período Mesolítico até cerca de 10.000 anos atrás.

As lâminas e outros objetos feitos dessa pedra, encontrados nas últimas semanas perto do rio Tâmisa, revelam a atividade humana na área numa época em que a Inglaterra estava sendo repovoada após a Era do Gelo.

As ferramentas provavelmente eram usadas por caçadores-coletores para pescar peixes com lanças, por exemplo, quando percorriam as terras pantanosas do Vale do Tâmisa, disse Carver.

Houve também uma série de descobertas importantes da Londres romana, cidade criada em meados do século I e que se acredita ser a origem de um assentamento permanente na área.

Entre elas: um trecho de uma estrada romana feita de terra, argila e galhos de árvore, junto ao local que hoje é a estação de Liverpool Street, no distrito financeiro da capital inglesa, datando pelo menos do século II.

A equipe descobriu fundações de casas, cerâmicas e moedas, incluindo uma moeda de liga de cobre datando de 134 a 138 D.C., com a efígie do imperador Adriano, e um denário de prata de 220 a 225 D.C..

Também foram descobertas várias ferraduras da era romana, um tipo de sapato que cobria o casco inteiro do cavalo, e não a meia-lua metálica usada hoje. Presume-se que as ferraduras ficavam presas nos sulcos lamacentos da estrada e saíam das patas dos animais que seguiam por ali.

"É um belo instantâneo de uma ocorrência diária no transporte de mercadorias", diz Nicholas Elsden, do Museu de Arqueologia de Londres, que trabalha como gerente de projetos da Crossrail na obra de Liverpool Street.

Uma das descobertas mais destacadas foi a de uma vala que se acredita ter sido um cemitério em massa para vítimas da peste bubônica, logo ao norte das muralhas medievais da cidade, em Charterhouse Square.

Sabe-se que a área foi usada para enterros desde 1348, quando a peste se espalhou rapidamente por toda a Europa e dizimou até um terço ou mais da população da Grã-Bretanha.

Não há risco para a saúde em desenterrar os ossos agora, pois as bactérias que, segundo se acredita, causaram a peste só podem sobreviver no solo por algumas semanas e os corpos foram enterrados há séculos, disse Carver.

Embora existam alguns registros escritos sugerindo que dezenas de milhares de pessoas podem ter sido enterradas ali no espaço de alguns anos, não há registros anteriores de descobertas de ossos, segundo Carver.

Ele e sua equipe descobriram cerca de 23 esqueletos no início deste ano, quando um poço de cinco metros de diâmetro foi cavado no gramado da praça.

Embora ele ainda esteja aguardando os resultados dos testes que confirmarão as datas e o que causou as mortes, Carver diz que os objetos de cerâmica encontrados no local indicam uma data em torno de 1350, e que há outros indícios que sugerem que as pessoas foram vítimas da peste.

A cerca de um quilômetro e meio para leste, em Liverpool Street, os esqueletos que estão sendo desenterrados jazem num local pertencente ao Hospital Bethlehem, asilo para doentes mentais que também ficou conhecido como Bedlam — de onde vem a palavra inglesa que significa tumulto ou confusão. Os registros históricos sugerem que 15.000 pessoas ou mais foram enterradas ali ao longo de um período de cerca de 150 anos.

Na quarta-feira, enquanto os arqueólogos trabalhavam com cuidado para desenterrar o último desvão onde se encontravam ossos, Carver disse que espera achar dezenas de esqueletos prensados de maneira compacta nesse buraco de um metro quadrado, em seu trabalho inicial de escavação.

Ele espera descobrir mais uns 3.000 esqueletos quando começarem as atividades arqueológicas mais intensas na obra de Liverpool Street, no final do próximo ano.

 

Fonte: The Wall Street Journal
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