sábado, 26 de abril de 2014

‘Homo sapiens’ deixou África antes do imaginado, diz estudo

Aborígines australianos: população seria descendente de
onda migratória que deixou a África há 130 mil anos

O homem deixou a África em duas grandes ondas migratórias, marchando por caminhos diferentes há mais de 130 mil anos. Sua movimentação mundo afora foi revelada esta semana por um estudo coordenado pela Universidade de Tübingen, da Alemanha.

A pesquisa desvenda a polêmica jornada para outros continentes. Até agora, acreditava-se que houve apenas uma grande dispersão, e muito mais recente — seu registro seria de 50 mil anos atrás.

A pesquisa considerou diversas possibilidades de dispersão, levando em conta medições cranianas, dados genéticos de populações humanas e condições climáticas que influenciariam o deslocamento das populações.

Dois caminhos na Ásia

A comunidade científica concorda que o homem moderno é descendente de uma mesma população ancestral, que existiu na África entre 100 mil e 200 mil anos atrás.

No entanto, não havia consenso sobre o caminho que seguiu após deixar o continente. Segundo uma teoria, a marcha passou pelo interior da Ásia. Outra hipótese é que a trajetória até o Extremo Oriente ocorreu margeando o litoral asiático.

— Testamos diferentes cenários sobre o êxodo dos homens modernos fora da África: se isso ocorreu em uma migração, ou duas, ou em diferentes versões — conta Katerina Harvati, paleoantropóloga do Centro Senckenberg de Evolução Humana de Tübingen e coordenadora do estudo, publicado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”.

— Usamos análises genéticas, anatômicas e concluímos que a trajetória humana foi uma dispersão múltipla, ou seja, uma combinação dos caminhos já estudados.

Além de definir o percurso do homem, os pesquisadores também concluíram que a caminhada começou muito antes do que se cogitava.

A primeira migração saiu da África há 130 mil anos. Entre seus descendentes estão os atuais aborígenes australianos e os habitantes de Papua Nova Guiné.

O segundo grupo só deixou o continente de origem 80 mil anos depois. Estima-se que dele vieram populações nativas do Sul da Ásia, como os negritos, que têm baixa estatura, pele escura e cabelo encaracolado.

Coautor do estudo, Hugo Reyes-Centeno destaca que novos achados arqueológicos no Nordeste da África e na Península Arábica apoiam a tese de que o homem pisou nesta região mais cedo do que se pensava.

No sítio arqueológico de Jebel Faya, nos Emirados Árabes Unidos, foram encontradas artefatos de pedra que teriam entre 100 mil e 125 mil anos.

— Vemos fósseis na Palestina de até 120 mil anos e cuja forma craniana se assemelha muito a populações da Oceania, bem mais do que a de qualquer outra população moderna.

Seca na África, vulcão na Ásia

Eventos extremos climáticos podem ter motivado o deslocamento da população africana para o Vale do Rio Nilo e, dali, para a Península Arábica.

— Especulamos que houve secas severas entre 130 mil e 75 mil anos atrás no Leste da África, estimulando a migração do homem para outras regiões — explica Reyes-Centeno. — As populações em expansão fora do continente teriam encontrado inicialmente condições climáticas mais favoráveis, mas também foram confrontados com fenômenos inesperados.

Há aproximadamente 75 mil anos, segundo o pesquisador, o deslocamento pela costa Sul da Ásia teria sido afetado por uma erupção vulcânica na Indonésia.

Este fenômeno impediu a passagem para o Sudeste do continente e atrasou a entrada na Austrália. O primeiro registro de homens modernos na região é de 50 mil anos atrás.

Jeanne Cordeiro, arqueóloga do Laboratório de Arqueologia Brasileira, acredita que o período analisado é muito amplo e carente de dados, mas que o estudo preenche algumas lacunas históricas.

— Como aborda um espaço temporal muito longo, a pesquisa pode provocar discussões — explica a arqueóloga, que não participou do levantamento alemão. — O novo estudo tem uma base muito sólida. Ele conjuga um método antigo, que é a medição de crânios, e técnicas cada vez mais aceitas, como a análise do genoma para medir a dispersão das populações.

A chegada do homem à América não é abordada no estudo. Mas, segundo Reyes-Centeno, o mesmo método poderia ser usado para investigar quando começou o seu povoamento:

— Nosso estudo desafiou um modelo ao dizer que houve pelo menos duas dispersões da África para a Ásia. Agora, podemos testar se a chegada às Américas ocorreu ao longo de uma rota costeira a partir da Ásia, como muitos especialistas propõem, ou se outros cenários são mais prováveis.

Katerina lembra que, segundo os principais estudos, o homem pisou pela primeira vez na América por volta de 15 mil anos atrás, embora haja indicações de que isso poderia ter ocorrido até 15 mil anos antes.

— Independentemente do caso, isso é muito tarde, considerando que a saída da África ocorreu há 130 mil antes — assinala.

Fonte: O Globo Online
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